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São Paulo vai te comer vivo!

São Paulo vai te comer vivo!

#burnout#cotidiano#viajens
por vítor norton, em 06/04 às 00h00

São Paulo vai te comer vivo!

Mirei a tela do meu celular no leitor de QR Code do metrô de uma estação qualquer da linha 9, Esmeralda, que era da CPTM e agora é da ViaMobilidade. Não leu. Mirei novamente, pronto. Era o brilho da tela que não funcionara. Passei por ela e subindo as escadas um guarda aborta a pessoa a minha frente, que estava no celular - em vídeo chamada, preciso dizer -, aponta e diz: “põe a máscara”, no que foi respondido: “opa, nem sabia que tava sem”. Se era uma desculpa esfarrapada ou não, nunca saberemos. Não deu dois segundos, olhou pela janela e viu o trem vindo, gritou para o celular ainda alçado pela video chamada “preciso correr, o trem já vem”. Saiu em disparada, sem colocar a máscara. Correu, desceu os degraus numa velocidade que poderia ser fatal se um cadarço não estivesse amarrado suficientemente bem. Continuou sem máscara até entrar no trem.
Eu, não deixo a cidade me controlar, fui no meu passo, lento, como quem não quer nada e só observa. Faltava duas horas ainda para meu compromisso, não estava mais lento que um bicho preguiça. Bom, entramos no mesmo trem, eu antes dele.
Não é a primeira vez que situações como a narrada acontece, repare por si só. Independente da minha pressa, ao sair de um trem, não vou correndo as escada, dou um passo ao lado, espero todos irem, depois eu vou. São 10 segundos só, e são mágicos 10 segundos. Basta parar do lado do trem que você não se vê na mesma correria que todos. Em 10 segundos é possível entender toda a sistemática do movimento das pessoas. A maior parte das pessoas ficam nos vagões do meio pois são os mais pertos da escada rolante, logo da saída. Mas ao pegar vagões das pontas, ou quase, você garante não só um espaço pessoal sem ser invadido, como também pode tentar uma vaga numa cadeira, mesmo em horário de pico. Já estabelecemos no parágrafo anterior que não adiante correr, você estará junto com todo mundo. Ia dizer que estão todos no mesmo barco, mas na verdade estamos falando de um trem.
Entrar nesse ritmo acelerado desta cidade que não dorme (São Paulo, capital) pode trazer muitas agonias, stress e ansiedade. Evite!
A internet é feita de textos curtos e seria mais prudente - em termos de estatísticas - terminar o meu texto aqui, garantir uma segunda parte mais pra frente, mas você já deve ter percebido que eu não estou com pressa, e pelo visto: nem você. Continuaremos então.
É preciso dosar, saber não perder a cabeça aqui. Quem nasce na 4ª maior cidade do mundo (2021), já tem isso implantado na cachola. Eu não, vim de uma cidade com 20 mil habitantes. Certamente a estação Sé em horário de pico comporta 20 mil pessoas. Minha mente não foi preparada para tanta correria e desespero, como demonstrado, precisei criar mecanismos para que a cidade não me consuma. Mas queria abordar um outro lado. Um lado que talvez fosse bom a cidade consumir um pouco. Sim, esse é o plot twist deste texto.
Se você pretende vir para São Paulo, duas coisas: não chame de sampa, só quem é de fora chama assim, não passe essa vergonha; e seja um pouco consumido pela cidade sim.
Quem está acostumado com cidade do interior não consegue viver aqui, por ser demasiado lento, sem preparo, sem entender. Leva um choque tremendo quando se atrasa pela primeira vez pois sempre acreditou que trens fossem pontuais. Trens pontuais? Motivo de risadas por aqui.
É muito fácil chegar aqui e começar a se deleitar no que a cidade pode oferecer, o Tinder é quase que infinito, outros apps são igualmente usados. Você se apaixona fácil por esta cidade. Bares, pubs e a Augusta! Ah, se você não gostou de Pinheiros, certamente a República lhe fará bem, passeios dominicais no Minhocão são no mínimo relaxantes. A quantidade de museus e exposições que a cidade oferece, de forma gratuita, é de perder a noção. MASP, Pinacoteca, Municipal, Sala São Paulo, tudo grátis ou em preços bem baixos. É apaixonante viver em São Paulo.
Mas há dois tipos de pessoas, as que sobrevivem a cidade e as que são engolida por ela. Claro que há variáveis, mas irei abordar sobre isso mais a frente.
Numa cidade do interior, chegar em casa e colocar os pés pra cima, sem nem olhar o que está acontecendo, deitar e abrir o Tinder atrás de uma diversão para a noite. Despreocupado, desligado. Acorda às 12h e fica igualmente deitado no sofá o resto do dia.
Na cidade grande (sim, estamos aqui igual os camundongos da cidade e do campo), não é só chegar e abrir o Tinder, é preciso avisar aos amigos que está bem, conferir o horário do café da manhã do dia seguinte no hotel para não perder os 30 reais deixados somente para garantir o cafezin matinal, verifica se está tudo no quarto como deveria estar, avalia o motorista do Uber que levou até lá, colocar o celular para carregar e só então tirar os sapatos, deitar e abrir o Tinder, despretensioso, pois sabe que não vai encontrar nada para aquele dia. Isto é, se depois do cansaço e da energia que a cidade te suga não fizer você apagar imediatamente na cama.
  • É um costume na cidade, se algum amigo te deixa em um local de carro, esperar que você entre para só então sair. Também é rotineiro - ainda mais se está no local pela primeira vez - avisar para as pessoas próximas seus movimentos, afinal, se der ruim, talvez seja necessário.
  • Cidade nova, estranha, hiper mega dependente de táxis e Uber, o celular não pode ficar sem bateria um único segundo. Assim como não há a possibilidade de sair sem documentos no bolso.
  • Rolês não necessariamente significa em Tinder e encher a cara até ficar tri louco de bêbado, às vezes nem perto de bebida chegará.

Quem vem pra cá e não se adapta é sugado pela cidade

Um amigo passou um tempo nessa cidade, não se adaptou - nem ao menos se esforçou -, no último dia teve um troço. 13h acordou, sentou no sofá e abriu o Tinder, ficou ali 30 minutos até que precisei intervir e falar: “olha, seu ônibus sai 16h, você precisa estar lá 15h, para chegar lá garantindo que o trem - famoso por atrasar - não atrase, precisa sair 14h. Ou seja, você tem 30m para tomar banho, arrumar suas coisas, pegar a correspondência que chegou na portaria e sair”.
Não preciso nem dizer que esqueceu trocentas coisas, inclusive documentos. Chegar nessa cidade e achar que pode só curtir sem o mínimo de responsabilidade e compromisso, é pedir para ser devorado. Não há como vir para cá sem estar bem familiarizado com alarmes, calendários ou uma boa memória dada pela ansiedade que te desperta antes que o próprio alarme.
Se você vem atrás de sexo, aqui encontrará certamente. Mas se quer uma forma de sobreviver a selva de pedras, bom: com emprego que te obrigado pegar transporte de 1h ida e 1h volta todo o dia, faculdade, e a pessoa que você está combinando está do outro lado da cidade. Logo você começa a descobrir que o ritmo não irá permitir algo que cidade pequenas talvez permita: transa sempre que quiser. Você estará cansado, arrebentado, destruído após as primeiras semanas de trabalho.
Claro que para tudo, existe uma balança. Uma coisa é ser uma pessoa que trabalha com tech, emprego é garantido - pode até ser difícil achar, mas é garantido. Trabalhar remoto, receber bem. Outra coisa é alguém formado em História atrás de emprego, há várias pessoas formadas na mesma área morando nas ruas. Não precisa gastar muito do seu tempo para encontrar pessoas que dorme na rua simplesmente porque a casa é longe demais do trabalho e não compensa pegar 3, 4 horas de translado na ida, em horário de pico e mais 3, 4 horas na volta, igualmente em horário de pico.
Pessoas largam tudo, família, casa, tudo. Pegam o restante das economias para vir na cidade das oportunidades, e não conseguem nada. É preciso batalhar. Se você é de tech, saiba que o mundo é bem diferente da nossa área, estamos no paraíso meus amigos. Agora, se não é desenvolvedor nem nada do tipo e pretende vir para a capital paulista, saiba:
  • Você está em um ambiente completamente novo, ritmos diferentes, pessoas diferentes. Esqueça tudo o que aprendeu sobre como viver, a cultura da cidade te suga. Se há preconceitos com religiões de matrizes africanas, fique longe daqui! Se há preconceito com homens de pegando, fique longe daqui! Absolutamente, toda a esquina você verá. Deu pra entender, né não?
  • Mais de mil pessoas concorrem a mesma vaga que você, não espere duas semanas para enviar o teste/vídeo/atividade que foi solicitado. Faça o que precisa ser feito, na hora, não deixe para depois.
  • Talvez você verá moradores andando sem documento ou não se preocupando com a bateria do celular. Mas lembre-se, você estará sozinho, no fim do dia se o celular morrer, não ter nenhum documento, não ter cartão, nada? Você está na rua. Não é como andar 2km a partir do centro da cidade e chegar no seu bairro. São 10km, se tiver sorte. Impraticável.
Em resumo: entenda, esta cidade só sobrevivem os responsáveis. Desleixado demais, você perde. Ansioso demais, você pira. Seja responsável e a cidade vai estar de braços abertos.