logo da vtnorton

📰 Outras postagens

O derradeiro “JavaScript que me deu”

O derradeiro “JavaScript que me deu”

#pessoal#dev#cotidiano#burnout
por vítor norton, em 21/03 às 00h00

O derradeiro “JavaScript que me deu”

Hoje vim trazer um outro lado, de algo que me incomoda muito na bolha tech do Twitter. Esse é mais um texto sobre como nas redes sociais as pessoas usam filtros, não aqueles que alteram a imagem, mas sim filtros que mostram uma realidade paralela.
A pessoa posta uma foto de um carro, mas não coloca a quantidade de prestações. Ou posta a foto de uma chave e um apartamento vazio e já logo assumimos que o apartamento é próprio. Afinal a pessoa tem trabalhado em empresas modelo, tem ganhado notoriedade na comunidade, e bem… tá ficando famosinho blogueirinho, né não? Tudo isso com a legenda “O JavaScript que me deu”.
É sim fundamental reconhecermos o que o nosso trabalho proporciona pois afinal, passamos pelo menos 40 horas semanais pensando nele, é muito da nossa vida. Trabalhamos para conquistar coisas e está tudo bem celebrar elas, ainda mais por serem difíceis. Dito isso, não podemos esquecer a realidade.
Antes de você querer entrar nessa carreira de desenvolvedor e sair por aí postando várias fotos de suas conquistas, preciso te dizer a verdade: você nunca estará satisfeito.
Há novas tecnologias todos os dias, e não estou falando daquelas apresentadas em Las Vegas na CES ou do futuro utópico (nem tanto) do Mark Zunkeberg sobre o Metaverso. Estou falando de atualizações de techs que usamos hoje. Uma nova versão do Angular saiu e para conseguir ter notoriedade no trabalho sobre preciso estuda-la. Porem também saiu o .Net 6 e se eu quero continuar entregando com qualidade eu preciso estudar o que mudou para conseguir conversar com os tech leads do projeto, e eu ainda nem vi a versão 5. Que diabos tá acontecendo?
Recebi um feedback que precisaria estudar mais sobre kubernetes e isso ajudaria numa reavaliação salarial então além de tudo isso preciso ver kubernetes. Você já viu isso? É tantos conceitos novos, istio, helm, containers, clusters, aks, acr. SOCORRO!
E mesmo que você consiga estudar tudo isso, ser referência no seu time e na sua empresa, então vem outro fator que atinge todos nós: a sindrome do impostor.
Você só viu uma palestra sobre yarn, isso não te faz o mestre deste gerenciador de pacotes. Assim como ter estudado um curso de 20 horas não te faz o conhecedor suprasumo que todos acham que você é em vue. Não, você nunca vai se sentir confortável com o conhecimento que você tem, pois você sempre vai achar que alguem sabe mais do que você (e sabe); que você só está falando besteira; e não conhece nada do que faz. Afinal, você passa o dia inteiro procurando no Google coisas simples como “Converter string para int” ou “concatenação de strings em C#”, isso se aprende na faculdade, oras!
Mas por mais que você aprenda tudo e começa a entender que você não é impostor, ainda há um terceiro passo, e talvez o mais difícil – o chefão!
Literalmente, o chefe. Você estudou tudo isso, várias sessões de terapias e de autoconhecimento para entender que não é impostor. Mas daí você olha pro mercado, vê empresas pagando até 3 mil reais para estagiário, um salário inicial como desenvolvedor júnior de 8 mil reais CLT, e só pensa o quão errado você está de estar ganhando menos que isso e fazendo bem mais.
Não estou falando diretamente do chefe no trabalho – que pode ser facilmente colocado aqui – mas sim do sistema em que vivemos, que por mais que as empresas tentem aperfeiçoar a sua cultura, nunca chegará ao ideal. Estou falando de um sistema com preconceitos enraizados, com ar de meritocracia e que nem todos tem as mesmas oportunidades. Um sistema feito para deixar os ricos cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres. Aonde você dá o suor, sangue e toda a sua sanidade mental para que os chefes se deleitem nos mares do caribe.
Não quero visitar o caribe, mas você entenderam o ponto. E quando falo chefes, me refiro ao chefe direto que você responde, ao chefe do chefe, ao cliente, ao dono do produto, e por vezes o pior chefe de todos: você mesmo.
Não recomendo passar pela etapa três enquanto está com sindrome do impostor, dá um nó na cabeça que bem… é depressivo – literalmente.
E ao pensar que homens cis brancos héteros normativos conseguem com mais facilidade chegar ao topo, dá vontade de jogar tudo pro ar né? Cada um fala de sua experiência é claro.
Ver amigos, pessoas da comunidade postar suas conquistas – e merecidas, é preciso dizer – com a legenda “Foi o JavaScript que me deu” é no mínimo irônico, pois em nenhum momento você acha que a pessoa passou por tudo o que está escrito aqui, o que te garanto, não é verdade. Em um grau ou em outro, todas pessoas em tech passam pela síndrome do impostor, precisa estudar mais do que consegue e passam por empresas com culturas complicadas.
Lide com tudo isso, e o que irá restar? burnout, esse sim, foi o JavaScript que me deu.